Interferência no Porão

                                              
                                                                                         Jack Vettriano


À meia luz, o cigarro se apaga no ritmo da vela. E na janela, o vento bate e grita fino. Um violino toca longe uma canção que aos poucos cala a voz da guitarra. Bethânia fala...


"Eu vou te contar que você não me conhece,
e eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não me ouve.
A sedução me escraviza a você.
Ao fim de tudo você permanece comigo mas preso ao que eu criei,
e não a mim.

E quanto mais falo sobre a verdade inteira, um abismo maior nos separa.
Você não tem um nome, eu tenho.
Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções.

Mas a mentira da aparencia do que eu sou,
e a mentira da aparencia do que você é.
Porque eu,
eu não sou o meu nome,
e você não é ninguém.

O jogo perigoso que eu pratico aqui,
ele busca chegar ao limite possível de aproximação,
através da aceitação da distância e do reconhecimento dela.

Entre eu e você existe a noticia que nos separa.
Eu quero que você me veja nu;
eu me dispo da noticia.
E a minha nudez parada
te denuncia e te espelha.
Eu me delato,
tu me relatas;
eu nos acuso e confesso por nós.
Assim me livro das palavras com as quais
você me veste".

(Fauzi Arap)

Esse poema de Arap me trouxe à memória os aforismos de Jung, e sua teoria sobre como o ato de amar é uma experiência de morte. E morte inexorável: ou mata a personalidade daquele cujo sentimento não deixou assumir sua verdadeira natureza e personalidade, ou mata o exercício de amar, do relacionamento amoroso, pois que o orgulho de um ego inflamado não permitiu descobrir-se no outro nem influenciar-se.

"Onde o amor governa, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, falta amor. Um é a sombra do outro." - em Psicologia do Inconsciente.

Comentários

  1. Oi Tabita.
    Creio que foi bom vir aqui hoje. Ler me faz muito bem nessas épocas, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde, isso passa. Ando com o ego inflado (como todo bom leonino) me sentindo no DEVER de "matar a personalidade daquele cujo sentimento não posso deixar assumir". Me afastei do FB tbm, para apreciar mais toda essa introspecção. Desculpe o pequeno desabafo... Como disse, isso passa. D. Brand

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  2. D. Brand,
    De fato, foi muito bom você ter vindo. E como sempre me sentei à sua mesa, repartindo a ilex paraguariensis e ouvindo suas considerações sobre o mundo, o amor e a vida, sinto-me grata em poder, ainda que pouco, retribuir. Caniços pensantes, como nós, se alimentam de palavras. São elas as grandes responsáveis por nos mudar e moldar, além do que podemos prever. Tenha fé na força do silêncio. E seja sempre bem-vindo!

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Éam?!?

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