Cina

Eu sempre fui uma viciada em sensações. Até hoje, ao ir a um show, por exemplo, pouco absorvo das poses das bandas, das dinâmicas dos artistas, da sequência das músicas. Por vezes me esqueci de quantas ou exatamente quais músicas foram tocadas. Mas me lembro bem do que senti ao ouví-las.

Recordo-me das formas das luzes do palco refletidas sobre aqueles milhares de cabeças; lembro-me de ter piscado demoradamente ao ouvir um acorde de efeito;
lembro-me até de qual cheiro associei a cada compasso, cada cadência...

Mas esse meu vício também me destinou gotas de suor de medo e risco; situações de odor fétido e cor ocre.

Já olhei nos olhos do assaltante e lhe disse com doçura que não daria meu walkman, só para sentir a apreensão dos segundos eternos que se passaram até ele dar-me as costas e desaparecer.
Já sentei na garupa do desconhecido só para sentir a textura do vento no rosto e o gosto da aventura.
Já beijei o rosto do pedinte, só para ver com meus olhos o poder do amor nos olhos alheios.

Mas não me recordo dos detalhes. Eu vivo tentando satisfazer o meu coração arrítmico, que esgota minhas energias buscando uma sensação improvável.

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