Amoreba Textual

para além da suruba, um amor em comunidade - por Yuna Ribeiro
Pra mim é muito difícil escrever sob encomenda, é um desafio, um deleite, mas é também um sofrimento, tá certo que é um sofrimento daqueles... gostoso, sabe!? E sobre um tema inusitado, porque vindo de uma pessoa singular e especial como tal, não poderia ser diferente.
Bom, o amor para além de duas pessoas, de um casal, um amor entre quatro, cinco, por um número indefinido de pessoas, porque a quantidade não importa nesse caso. Pessoas que convivem amorosamente, com relações sexuais ou não, com níveis de convivência variados, mas todos com algumas coisas em comum, a capacidade de criar vínculos e o desprendimento. Talvez, uma necessidade de carinho, de fazer parte, de estar conectado, que não basta uma metade, é preciso mais, uma relação complexa, entre várias pessoas, que pode ser tão mais complexa? Ou tão mais simples?
Na verdade tudo isso é um grande mistério pra mim e, confesso, me causa uma curiosidade intrigante. De certa maneira, consigo entender e até me interessar por alguns aspectos.
Imagina não precisar ter medo de ficar sozinho, ou ter companhia para as atividades mais diversas, se sentir amado, olhado, compreendido nas diferentes facetas e momentos. Será que estamos preparados para nos doar nessa proporção, deixar a vaidade de não ser único e de não possuir coisa alguma, principalmente o controle da situação. Tá, controle é pura ilusão, até quando se trata de nossas próprias ações e sentimentos. Mas, imagina ter a ousadia de se deixar levar, se misturar, dividir, acreditar, amar várias pessoas ao mesmo tempo, cada uma em suas singularidades, formas e emoções.
Acho que não estamos preparados, culturalmente as condições para esse tipo de relação ainda não foram construídas. Provavelmente, dentro das relações de poder entre indivíduos e instituições, nem existe o interesse em criar essas condições, vivemos numa era de individualismos déspotas e isso é lucrativo demais para o lado que está ganhando dentro desse jogo de poder.
Vivemos um tempo apressado, sentimos medo demais, estabelecemos relações na base da competição e da propriedade, precisamos dominar e ser melhor que o outro para assegurar nossas inseguranças. Ciúme, falta de chão, necessidade de agradar a todos, necessidade de corresponder a expectativas desmedidas, necessidade horrorosa de nos colocar como um produto vendável e competitivo no mercado alucinado das relações amorosas. Sim, é esse o cenário preponderante e construído pelo sistema em que vivemos. E quer saber, até as relações a dois andam desacreditadas.
Estamos nos acostumando a não ter o apoio emocional e o aparato sólido de uma vida em comunidade, fazendo parte de um coletivo, temos cada vez mais que nos virar sozinhos e, qualquer fracasso ou dificuldade é nossa completa e exclusiva responsabilidade. Não somos mais responsáveis  uns pelos outros, assim como o Estado é cada vez menos responsável pelas condições de sobrevivência de seu povo. E assim, nesse empurra empurra de responsabilidades, seguindo uma lógica absurda, seguimos sozinhos, independentes e amargurados.
Em contrapartida, a capacidade e liberdade para fruir a vida, não sofrer metodicamente com o imponderável e aceitar que de fato controlamos nada, acaba sendo uma necessidade urgente dos que ainda têm um amor enorme dentro de si, dos que estão dispostos a criar vínculos amorosos e fraternais sinceros. Nesse caso, moralismos e logísticas a parte, não importa se isso acontece entre um casal ou entre mais pessoas.
Acredito que qualquer tentativa em criar condições reais, físicas e psicológicas para que os laços possam acontecer é válida, sem cobranças, sem pressa, simplesmente porque as pessoas estão juntas, dispostas para conhecer profundamente o outro, não importando qual é o número dessa relação. Pessoas que resolveram se dedicar umas as outras, dedicar tempo, amor, cuidado, com espaços comuns, com suas diferenças e semelhanças, se despojando de limitações políticas e morais. Fugindo do vazio, do raso, tendo coragem para o vínculo construído com calma e ao longo do tempo, numa concepção de amor livre de armadilhas e amarras moralistas, que no final das contas não passam de mesquinharias do poder econômico. Por que não?
Revista Trip


Comentários

  1. "Vivemos um tempo apressado, sentimos medo demais, estabelecemos relações na base da competição e da propriedade, precisamos dominar e ser melhor que o outro para assegurar nossas inseguranças."

    Me fez lembrar o texto do Rubem Alves. Em tempos de relações competitivas, jogar esse frescobol é muito mais edificante do que qualquer amor travestido a dois.

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    1. http://poenasdo.blogspot.com.br/2012/09/ter-ser-e-viver.html

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  2. Você precisa escrever/postar mais. Todos à quem mostrei esse texto, de uma forma ou outra, se encontraram nele.

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Éam?!?

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