Inveja com M

 
Zapeando na internet, como se fosse um controle remoto a procurar um canal menos esdrúxulo, eu topei com um vídeo da Fernanda Young no Provocações - programa de entrevistas do saudoso e improvável Abujamra. Fazia um ano da morte da escritora e eles fizeram um #tbt para relembrar suas falas honestas e, na perspectiva da "lucrolacração", polêmicas.

Bom, o vídeo não carece de explicações e ele está aqui só para alimentar um mero narcisismo. Isso porque me lembrei de um textinho que fiz no alto dos meus 15 anos, falando sobre inveja. Na ocasião, minhas amigas estavam escolhendo entre algum presente caro ou uma festa de nível. Eu ganhei uma cama nova e estava radiante! Mas também tinha inveja das festas das minhas amigas e aquilo me incomodava. Incomodava porque eu só bebia da fonte do senso comum e na minha bolha ter inveja era ruim. Era uma força tão poderosa, que poderia ultrapassar os limites da má-educação e ofensa para, efetivamente, causar algum dano. Definitivamente não era algo que eu desejava, mas entendia que fosse um efeito colateral.

Até que acessei uma altura a mais de consciência. Coisa que conseguia quase sempre usando a escadinha do meu avô para ir à laje de casa. Fazia sempre escondido, à notinha, quando eu fingia que só ia tomar um ar no quintal e todos colaboravam fingindo que não tinham visto. Perceba: olhar o céu, respirar sem pretensões, conectar consigo mesmo. Não era só um alívio sair da casa de três cômodos. Era uma faxina na alma. Tem um poder nisso aqui. 

E eu comecei a compreender que a inveja não me definia invejosa. E muito menos odiosa das minhas queridas amigas. Era simples. Desde então eu jamais me importei com o senso comum, mas guardava minhas considerações numa caixinha de madeira, até ver a coragem e auto-confiança de Young nessa declaração (começa aos 2:30 do vídeo). 


E o texto, como escrevi, não tem nada demais. O bom de parir um texto é o percurso de autoconhecimento que ele atravessou até virar letra.

"Não há problema alguma em ter inveja. Eu não acho que a inveja defina as pessoas. Mas o objeto de inveja das pessoas pode dizer muito sobre elas. Então, a inveja pode estar situada em um dos quatro "M"s:  "mesquinhos", "medonhos", "medianos" ou "maravilhosos". Certa vez uam criança me disse que tinha inveja dos capacetes brancos, médicos voluntários que estavam na Síria, em pleno conflito. Essa inveja só pode ser maravilhosa! A inveja, assim como a raiva, é uma força propulsora. Não há problema algum em ter inveja de uma felicidade, por exemplo. Quando você tem inveja da felicidade de alguém, não se trata de invejar a pessoa; mas a felicidade, em si. E a felicidade todos merecemos, queremos, desejamos e, no fim das contas, todos invejamos." (de uma outra Tabita, 18 anos atrás). 

  

Comentários

  1. Inveja é manifestação indireta do desejo, quando uma pessoa perde o desejo, seja pelo que for, aí é que é preocupante, viver é desejar. Ótimo texto.

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Éam?!?

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