Fechando o 7 de Abril

"Nem bem começava o ano
Já era final de abril
(...)
Ah, o tempo faz
Tempo desfaz
E vai além sempre"
(Renato Teixeira e Almir Sater)

Eu me formei em Jornalismo, mas não estou mais com paciência e tempo de mentir pra mim mesma, nem pra ninguém. Cultivando e apreciando cada vez mais a honestidade, admito: o mais próximo do Jornalismo que cheguei foi numa grande emissora em que fiquei substituindo uma produtora por 30 dias. Saí de lá tão confusa e rapidamente quanto entrei. Como o John Travolta no meme. 


Depois dessa experiência, fui eu mesma produtora de uma emissora ligada a uma igreja. Prenúncio de fim de poço na profissão. De lá pra cá, não me dou a licença de me chamar "jornalista". Se não fosse tão brega e carente de explicações contextuais, eu mudaria todos os meus currículos para "comunicadora", quando muito, quando pode - já que inventaram o ghostwriter, para que você possa receber pelo que fez e não possa contar que fez.  Mas tive a sorte de realizar, eu mesma, ou - quase sempre - integrar muitas pequenas experiências jornalísticas. Coberturas específicas, produções específicas. Todas elas guardam algo em comum: a generosidade de - esses sim - grandes profissionais. 


Se consegui entrar numa cabine para gravar um off decente, ao vivo, e aprender na prática como fazer externa, povo-fala para montar VT no mesmo dia, foi graças à voz de veludo de José Nello Marques. Se tenho um nome em uma obra sobre Jornalismo em Rádio, é graças à Magaly Prado que um dia me ligou e disse: "Não é difícil, vai lá e fala com o Gil Gomes. Você tem contatos, sei que consegue". E eu consegui. Meses antes de morrer, ele me disse sentir falta da rua e quase chorando quando perguntei do Parkinson, ele quis desligar. Mas está lá, registrado. 

E como foi que aprendi a conversar com cientistas sem medo das perguntas que os fazem revirar os olhos? Batendo cartão todo dia nos laboratórios dos grandes pesquisadores deste país. Em um trabalho quase que de mineração, acessei seus corações de pedra e encontrei as pessoas por trás dos vírus, bactérias, supernovas e micro RNA's. Mas isso só foi possível pela abertura de veteranos como Arlindo Philippi Jr., Mônica Teixeira, Cristina Guarnieri. 

Tem muito mais derivações do trabalho dito de jornalista onde me demorei mais. Tem muitos nomes que me ajudaram a sobreviver, mas não valem menção fora do âmbito pessoal afetuoso. Nada disso é jornalismo, como o que hoje faço não é. Tive acesso à formação superior graças às facilidades dos anos 2000 e do governo popular. Mas, confesso, ainda me pergunto se valeu o investimento.... (ainda mais quando se projeta o buraco financeiro em que o país entrou para pagar essas facilidades - mas eu não entendo de economia, não me atreveria e imputar o baixo valor do brazil ao alto número de inadimplência). 

Eu me vejo uma trabalhadora medíocre com nível superior. Não é diferente dos engenheiros formados e pós-graduados dirigindo pra Uber. Já me vali de estar do outro lado do balcão, para pelo menos estar no metiê; já me agarrei a um texto, uma foto para me autoafirmar. Hoje eu digo com alívio que não me sinto pertencente à classe. Isso me fez olhar com carinho e admiração os colegas que labutam no dia a dia da profissão. É bonita, muito sofrida, tem muito assédio e perigo. 

Cada repórter que você vê com microfone na mão te dando uma informação na TV contou com muita gente (apuração, produção, ligação, informação, checagem, técnicos) e precisou desviar, driblar e até mesmo enfrentar muita gente (mentirosos, enganadores, omissos, burocratas, cientificistas, negligentes, violentos, políticos, criminosos, tecnocratas) para chegar até aquela gente que precisa ser ouvida (enganados, abandonados, invalidados, injustiçados, emudecidos, ocultados, violentados, assassinados, enlutados). 

Olhando para tudo isso, vejo mesmo que "jornalista" é só um carimbo em minha carteira de trabalho que, aliás, é outra representação da contradição da minha vida profissional - para me ater a apenas uma contradição na minha vida. Nesta mesma carteira, "jornalista" está tristemente ocultada por um desvio de função que me apertava o peito cada vez que eu batia o indicador no ponto eletrônico e recebia em retorno um papelzinho inconveniente esfregando na minha cara em pequenas letras: "Técnica Administrativa".     

Mas é claro que todas essas noções do que é ser jornalista estão em essência em tudo o que faço, produzo, escrevo. Ouvir várias vozes, confirmar informações e pensar o contraditório deveria ser uma lição básica do ensino fundamental. Haveria menos pessoas suscetíveis a tanta manipulação e sabe-se lá a que o jornalismo profissional poderia se dedicar, para que rumos evoluir na tarefa de informar bem. Sempre haveria, é claro, os estúpidos solitários. Mas eles seriam uma minoria envergonhada, e não uma legião de imbecis.

"O drama da Internet é que ela
promoveu o idiota da aldeia a
portador da verdade"
(Umberto Eco)


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